Voltando para o Fitti-Fusca...
Na corrida, a quebra do câmbio. O Fitti VW fez mais algumas corridas, e foi vendido. O novo dono tirou um dos motores, não obtendo bons resultados. O carro foi vendido de novo. Durante algum tempo decorou a entrada de uma escola de pilotagem em São Paulo. Depois sumiu. Restaram algumas fotos, uma réplica 1:1 feita por um apaixonado pelo carro, e a certeza de que, pelo menos no Brasil, nunca houve um Fusca como aquele...
Fitti-Fusca: A cadeira elétrica(por Emílio Camanzi )
Antigamente, até chegar à Fórmula 1, a vida de um piloto não era aquela "maravilha" que todos imaginam. Que o digam Emerson e Wilson Fittipaldi que, em suas carreiras antes da F-1, já sentaram em carros que eram verdadeiras cadeiras elétricas, como o Fitti-VW, um carro com dois motores, criado por Nelson Brizzi, Ary Guilherme Leber e Ricardo Divila, o "Inglês" que projetou o primeiro Fórmula 1 Brasileiro: o "Copersucar".

O ano era 1969. Emerson Fittipaldi estava na Europa, correndo na F-3, enquanto Wilson cuidava da equipe Fittipaldi aqui. Junto com o projetista Ricardo Divila -- brasileiro, filho de pais ingleses, e que por isso recebeu o apelido de Inglês -- e Ary Leber, estavam construindo um protótipo com motor Alfa Romeo - o F4 - que deveria enfrentar os Ford GT40, as Lola T70 e as Alfa Romeo 33, carros que disputavam o Campeonato Mundial de Marcas e que foram importados para correr em provas brasileiras. Emerson estaria no Brasil, em novembro, para correr com o irmão a prova dos 1.000 Quilômetros do Rio de Janeiro, no autódromo de Jacarepaguá. Mas o protótipo não iria ficar pronto.

De uma revista de dragsters norte-americana (aqueles carros compridos para arrancada), Ary Leber tirou a idéia para fazer um carro rapidinho, nos dois sentidos: juntar dois motores e construir um protótipo para enfrentar as máquinas importadas de mais de 400 cv.
O postal de Emerson para Ary, vindo de Londres em 1970, no aguardo do Protótipo F4 Alfa 2000 e dando parabéns pelo "Volks-bi-original " Mas tinha uma grande diferença em relação aos dragsters: ele tinha que fazer curvas... Ary conversou com o Brizzi que de imediato se empolgou e acreditou na possibilidade da idéia, em seguida conversaram com o Wilsinho e com o Ricardo Divila que também se empolgaram. Aprovada a idéia, em aproximadamente um mês o bimotor, batizado de Fittipaldi-3200, ou a "cadeira elétrica", ficou pronto!
O primeiro teste na pista de Interlagos, ainda com pneus finos e a frente de fibra sem acabamento
Fusca
Mas como o tempo era escasso, não havia como elaborar desenhos. O carro foi feito à base de rascunhos e a receita era bem simples: em um chassi de Fusca cortado, no túnel central foi soldado um tubo de grande diâmetro que serviu de base para ancorar, na parte traseira, um chassi tubular curto, e os braços e quadro da suspensão traseira provenientes de um Fórmula-Vê (carro monoposto com motor VW). Ainda partindo do tubo de ancoragem saiu o “santantonio” e a gaiola que formou a cabine.
Os dois motores de Volkswagen 1600 foram montados entre-eixos sendo que o dianteiro teve a carcaça usinada em toda parte traseira, na região onde fica originalmente a embreagem e fixação com o câmbio, para permitir a aproximação dos virabrequins que tinham um flange adaptado nas extremidades, sendo então ligados por meio de uma junta elástica Giubo -- usada no cardã (árvore de transmissão) dos então FNM 2000 -- resultando em um motor de oito cilindros contrapostos. Colocados entre eixos, essa junta permitia um certo “desalinhamento e jogo” entre os dois motores.
As duas máquinas, mesmo acopladas, trabalhavam de maneira independente. Cada uma com seu sistema próprio. Portanto, era necessário existir equilíbrio no funcionamento, principalmente no que se referia ao sistema de ignição. Para isso os virabrequins foram montados defasados em 90°, porque assim seria possível uma centelha a cada ¼ de volta, o que proporcionava um excelente balanceamento com bastante simplicidade na regulagem dos motores. O ronco dos oito cilindros numa saída única do escapamento, um verdadeiro “ninho de cobras”, calculado pelo “Inglês”, era devastador. O primeiro giro do motor em público, feito em Interlagos, fez com que a pequena multidão em torno do carro se afastasse da traseira. Não era possível manter a integridade dos tímpanos com aquele urro por lá.

O sistema de refrigeração era por ar de impacto, não existindo ventoinha, e tinha ainda dois grandes radiadores de óleo montados na dianteira. Na versão inicial não havia gerador. Para sustentar o motor era colocada uma bateria carregada que devia durar um tempo, a partida era dada com uma bateria auxiliar externa de 24 volts num motor de arranque “envenenado” pra virar tudo aquilo.
O câmbio, de cinco marchas, era de um Porsche 550/1500 RS, que se encaixava no motor. A trambulação foi totalmente projetada e feita pelo Brizzi, um mestre nisso. A suspensão dianteira era Porsche, com barras de torção; e a traseira, o mesmo semi-eixo oscilante Volkswagen, só que com molas helicoidais, o mesmo esquema dos Fórmula-Vê. Como não deu tempo de colocar freios a disco, foram usados os modelos a tambor do mesmo Porsche que forneceu o câmbio e também o sistema de direção.

As rodas eram em liga leve da Italmagnesio, de 9 polegadas de largura na frente e 10 atrás. Usava pneus Firestone Indy, os primeiros "slick" que apareceram no Brasil. Para cobrir tudo, foi feita pela Glaspac uma carroceria em plástico reforçado com fibra de vidro moldada em cima de uma de Fusca. Era praticamente uma peça única (a parte traseira abria por inteiro deixando toda a mecânica à mostra) e ficou pronta em dois dias, pesando apenas 17 quilos !
Em princípio foi fabricada uma casca única e muito fina, que uma vez em cima do chassi foi cortada na parte central e reforçada com mantas de fibra e uma pequena estrutura de tubos de alumínio para suportar as dobradiças que basculavam toda a traseira. O pára-brisas foi montado inclinado para trás em relação à posição original do fusca e fixado no “santantonio” dianteiro da gaiola que estruturava a cabine, o objetivo disso era que ficasse um vão entre o teto e o pára-brisas e que esse vão permitisse a entrada de ar, que foi canalizado por um falso teto interno (como uma caixa) e distribuído por mangueiras flexíveis que refrigeravam os cilindros do motor. Uma outra vantagem disso é que aliviava a alta pressão do ar na região do pára-brisa, melhorando um pouco a aerodinâmica, ao mesmo tempo em que enrijecia a área central do teto.
Um ponto que de imediato precisou de reforço foram as portas, que se abriam na parte superior, devido a pressão aerodinâmica. Esse problema foi resolvido aplicando-se, com resina e manta de fibra, um tubo de alumínio nas canaletas das portas.
Foi ainda feita uma “parede de fogo” entre o compartimento do motor e a cabine, para segurança e conforto do piloto. Um cuidado sempre constante era de que ninguém resolvesse ajudar empurrando o carro. A casca facilmente trincaria se forçada no lugar errado.
Primeiro teste em Interlagos. Note-se: ainda com carburadores 32 Solex. Ary Leber abaixado, á direita da foto
Uma curiosidade: pelo regulamento, para correr na categoria esporte-protótipo da época o carro deveria ter dois lugares. Resultado: o segundo banco era também o tanque.
Os motores acabaram recebendo um bom tratamento. A cilindrada, por meio de kits Okrasa, pulou para 2,2 litros em cada motor, totalizando 4,4 litros. Comandos de válvulas especiais, virabrequins roletados, quatro carburadores duplos Weber 45 e radiadores de óleo do motor, colocados no lugar do pára-choque dianteiro, completavam o preparo. As ventoinhas de refrigeração, para ganhar potência, foram retiradas. O resfriamento era feito através de tomadas de ar, que vinham do pára-brisa inclinado. O combustível era metanol e Nelson estima que os motores tinham mais de 200 cv cada (400 cv no total), que, aliados aos 412 kg em ordem de marcha, davam uma boa relação peso-potência.
Estréia
O carro, pintado de laranja e com uma faixa branca lateral, pintura oficial da equipe Fittipaldi, andou pela primeira vez em Interlagos, em novembro de 1969. Aprovada, a "cadeira elétrica" rumou para o Rio de Janeiro para fazer os treinos de classificação para a prova dos 1000 Quilômetros da Guanabara. José Carlos Pace, o Môco, fez o melhor tempo com a Alfa Romeo P-33, com motor V8 de 2 litros: 1m. 28,8 s., Sidney fez o segundo tempo com o Ford GT40 em 1m.29.8s. e a surpresa: o Fitti-VW, com Wilson Fittipaldi Junior, ficou em terceiro, com 1m36,3s, na frente do Lola e dos AC!

O Fitti-VW não terminou a corrida, quebrou o câmbio. Em 18 de novembro de 1970, correu em uma prova em volta do Estádio Mineirão, em Belo Horizonte. Dessa vez foi a junta de borracha Giubo - que unia os dois motores - que se quebrou. Um problema que se repetiu várias vezes.
Wilson Fittipaldi, Pedro Victor de Lamare e Ricardo Divila antes da prova em torno do Estádio Mineirão, B. Horizonte
Logo em seguida, Emerson, Wilson e Ricardo Divila foram para a Europa. Adu Celso, piloto brasileiro que corria no mundial de motociclismo, e que estava começando a carreira, comprou o carro. Retirou um motor para ganhar confiabilidade. Fez algumas corridas sem resultados positivos.
O Fitti-VW de dois motores acoplados - uma peça única no mundo - acabou decorando a frente de uma escola de pilotagem em Interlagos, SP. Depois, sumiu.